domingo, 10 de fevereiro de 2013

Novela turca

Não, não vou falar de "Salve Jorge" porque simplesmente não consigo assisti-la. Inicialmente porque estava dando aulas no horário em que vai ao ar e agora porque é justamente a hora que coloco meus filhos para dormir. Sei, porém, que contou com assessoria de queridas amigas, que conhecem muito bem a Turquia. Meu vício, na realidade, é a "novela" (na realidade, as novelas turcas seriam mais seriados, uma vez que passam uma vez por semana, e tem duração que varia de uma hora e meia a duas horas), "Muhteşem Yüzyıl" ("Século Magnífico") que trata do longo reinado de Suleiman, o Magnífico (1520-1566). Alguma boa alma disponibiliza todos os episódios na Turkweb.
OK, a questão política e a diplomacia - importantíssimas nessa fase áurea do Império Otomano - ganham menos atenção que deveriam. O foco mesmo é o harém do sultão com suas "traficadas" de então e os jogos de poder e vaidade que envolviam, sobretudo, as mães de potenciais herdeiros ao trono, em especial, Hürrem Sultan. Roxelana, como ficou conhecida no Ocidente, era uma escrava cristã oriunda da Rutênia (algo entre a Polônia e a Ucrânia), que conseguiu se casar com o sultão Suleiman e impor seu filho Selim como seu sucessor. A novela conta com a assessoria de dois historiadores, mas obviamente tem liberdade poética e abusa dela: trata-se de entretenimento afinal! É bastante cuidadosa com a direção de arte, figurino, locações, mas não pára de gerar polêmicas, inclusive com o primeiro ministro Erdoğan, que a considera desrespeitosa com importantes figuras históricas. A grande parte do público, porém, passa ao largo dessas discussões e acompanha avidamente o desenrolar da novela. Não só dessa, como de inúmeras outras: existe uma verdadeira indústria noveleira na Turquia. As novelas turcas atingem cerca de 20 países e além de angariar consideráveis recursos, têm lá seu peso no “poder brando” da diplomacia turca. Novelas como “Aşk-ı Memnu” (“Amor proibido”), “Yaprak Dökümü” (“Folhas caídas”) e, sobretudo, “Gumuş” quebraram recordes de audiência no Oriente Médio, Norte da África e ainda atraem crescente atenção nos Bálcãs e Leste Europeu. A exibição do último episódio de “Gumuş” em 2011 atraiu 85 milhões de expectadores da Síria ao Marrocos. De certa forma um subproduto é o crescente número de turistas árabes, das mais variadas classes sociais visitando a Turquia (possível de se perceber na parte do Topkapı dedicada às relíquias do Islã e na mesquita de Eyüp). Principalmente oriundos dos Emirados Árabes, Arábia Saudita e Kuait, estes turistas explicam o crescente interesse "porque a Turquia possui boa comida e que segue os preceitos do halal, além de beleza natural e ainda compartilha uma história e tem semelhanças religiosas". A isenção de vistos, a hospitalidade do povo e o bom clima também são fatores de atração, segundo o artigo "Arab tourists´ interest in Turkey increases, say tourism officials" publicado no Hurriyet Daily News, em 23 de abril de 2012. Definitivamente, não se deve menosprezar o poder das novelas... Em tempo: para quem se interessar por trabalhos mais acadêmicos que lidem com a questão dos haréns, vale muito a leitura de "Imperial Harem", da professora da NYU, Leslie Pierce (assisti a uma palestra incrível dela, em Bilkent), e do catálogo da recente exposição "Harem: The House of Sultans".

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Israel para brasileiros (Tel-Aviv e Jerusalém)

Adoraria postar mais aqui, mas a vida anda corrida demais. Tendo em vista os inúmeros pedidos, sobretudo de alunos, a respeito de dicas de viagens para Israel, resolvi também compartilhar aqui um e-mail que tinha escrito a esse respeito para uns amigos... Antes da viagem para Israel, recomendo leituras prévias e os romancistas Amos Oz e David Grossman são excelentes autores para se iniciar. “Meu Michel” e “Contra o fanatismo” (esse último é na realidade composto de discursos) são os meus favoritos do Amos Oz, mas sua publicação é extensa e já vem sendo traduzida diretamente do hebraico para o português nos últimos tempos, pela super editora Companhia das Letras. E o cinema de lá anda de primeira: “Lemon Tree”, “Valsa com Bashir”, “A Banda”, “Nota de rodapé” e “A noiva síria” são ótimos. Portais como do jornal www.haaretz.com, http://972mag.com, e www.jpost.com dão uma boa visão das muitas e intensas questões políticas diárias do país. Os livros sobre a história do povo judeu e de Israel são muitos, mas acho que “Israel: terra em transe”, da Guila Flint e Bila Sorj, apesar de ser da década de 1990, dá algumas indicações sobre dilemas por que passa o país. “A história do povo de Israel”, do Abba Eban”, dá uma visão mais idealizada da história; e “Muralha de Ferro”, de Avi Shlaim, é um exemplo da chamada historiografia “pós-sionista”, que revisita a história de maneira bastante crítica. Enfim, tanto cinema, como literatura, já mostram ao viajante que se trata de um país absurdamente interessante e profundamente envolvido com questões dramáticas sobre sua história, política e identidade. Eu particularmente acho que Tel Aviv (T”A) é o melhor lugar para servir de base. A cidade tem ótima infra-estrutura hoteleira e vários atrativos. Os que recomendo em especial são: Eretz Israel Museum, Beit Hatfutsot, HaTachaná (ch tem som de rr), Neve Tzedek, Yafo e Namal Tel Aviv. O primeiro é na realidade um complexo com vários museus que tratam de arqueologia e história do que hoje é Israel. A linguagem não é das mais modernas, mas eu sempre gosto de visitar o The Alexander Museum of Postal History and Philately e ver as cartas endereçadas para “D’s – Terra Santa”. Milhares de cartas desse tipo chegam ao serviço de correios israelense e no geral são levadas ao Muro das Lamentações. Surreal! Ali do lado, em Ramat Aviv ainda fica a Universidade Tel Aviv e dentro de seu campus se encontra o Beit Hatfutsot, o Museu da Diáspora. Para se entender a trajetória das várias diásporas judaicas pelo mundo afora através dos tempos, esse é o lugar! (http://www.bh.org.il/) Eles estão passando por um processo de modernização e remodelação, mas acho que as miniaturas de sinagogas do mundo todo ainda estão lá: tem até uma em formato de pagode chinês! HaTachaná em hebraico quer dizer “a estação” e é exatamente isso: uma antiga estação de trem restaurada e revitalizada com uma série de barzinhos, lojinhas, livraria, shows e informações aqui e acolá sobre T”A antiga... Fica em Neve Tzedek, o bairro mais bacana de T”A, a meu ver. É tipo Santa Teresa, sem ladeiras, e vale simplesmete andar por suas ruelas. Lá fica o Suzanne Dellal Dance Center (http://www.suzannedellal.org.il) que sempre vale verificar se conta com show do Batsheva (sempre que assisto a Deborah Colker, lembro deles: têm uma linguagem parecida) e o restaurante Susanna, bem pertinho. Yafo é ao lado, com um visual lindo da praia de T”A, os pães deliciosos do Abulafia (o cheiro deles quentinhos, com zatar, é uma coisa!), o famoso Mercado das Pulgas (Shuk HaPishpishim, em hebraico), várias galerias de arte, e o restaurante “Hazaken Ve Hayam”, que é um dos melhores da região para comer peixe e frutos do mar. Em Yafo fica também o espaço do Mayumana (http://www.mayumana.com), uma espécie de Stomp israelense (grupo que junta percussão e dança) que vale assistir. Por fim, Namal Tel Aviv (Porto de Tel Aviv). A cidade seguiu a tendência mundial de reformar seu porto, criando uma charmosa área com restaurantes, bares e mesmo lojinhas (se não me engano é mais de decoração), e é um bom lugar para ver o pôr do sol. Não fui ainda ao "Children's Museum", mas todos que já foram amaram! Em Jerusalém, além da óbvia visita à Cidade Velha, onde fica o Muro das Lamentações, a Via Dolorosa e o Domo da Rocha (recomendo o livro “Jerusalém”, da Karen Armstrong, como introdução), tem o Yad VaShem ( Museu do Holocausto) e o The Israel Museum, entre outros. Uma vez fiquei hospedada no bairro cristão da Cidade Velha e foi uma experiência bem legal acordar lá dentro, mas no geral os turistas ficam fora das muralhas, em hotéis para todos os bolsos. O Yad VaShem é das experiências mais tristes. Começa com uma enorme floresta, com o nome dos não-judeus que salvaram judeus quando da guerra (o brasileiro Souza Dantas está entre eles. Caso haja interesse, meu amigo Fábio Koifman escreveu sobre ele em “O quixote nas trevas”, publicado pela Record). É enorme e tem muita informação sobre o drama dos judeus (entre outras vítimas, como ciganos, homossexuais, doentes mentais, etc) durante a Segunda Guerra Mundial. O Children’s Memorial, porém, é o lugar que mais me toca. A cada passo, o nome, a idade e o local de origem de muitas das quase um milhão e meio de crianças judias mortas.
O The Israel Museum, por sua vez, é conhecido por ter um “santuário do livro”, com manuscritos do Mar Morto ainda sendo estudados e lá exibidos, mas a verdade é que sua coleção de arte moderna e contemporânea é maravilhosa! Tem Brueghel, Rembrandt, Magritte (como "O Castelo dos Pirineus", da imagem), Matisse, e Modigliani, entre outros, além de exemplares da arte contemporânea israelense, que é vibrante. Enfim, eis algumas dicas de lugares a serem visitados em Tel-Aviv e Jerusalém...